Organização: Bruno Franceschini
Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro
Retornar à História
FOUCAULT, M. Arqueologia das Ciências e História dos sistemas de pensamento. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
Em “Retornar à História”, Foucault trata das implicações do Estruturalismo e da História na estratégia de reformulação do conceito de acontecimento. Um aspecto tratado no texto diz respeito ao propósito inicial dessa corrente filosófica: a oferta de “um método mais preciso e mais rigoroso às pesquisas históricas” (p. 282). Assim, o Estruturalismo procurava fazer uma história “rigorosa e sistemática” (p. 282), como exemplificado no texto:
a) método estrutural em Etnologia;
b) Linguística - fonética histórica;
c) aplicação do Estruturalismo à Literatura.
No entanto, às aplicações do método estrutural à essas ciências não foram bem sucedidas, uma vez que o aspecto histórico não havia sido considerado em sua dimensão. Foucault questiona então alguns entraves deste método, tais como: “Como é possível fazer história, se não se leva em conta o tempo? Mas há mais. Como se poderia dizer que a análise estrutural é histórica, se ela privilegia não somente a simultaneidade sobre o sucessivo, mas, por outro lado, o lógico sobre o causal?” (p. 285)
Foucault ainda aponta outra brecha deixada pelo Estruturalismo ao mostrar a consideração da estrutura e das regras de coerção em detrimento à prática humana. Sobre as influências do movimento marxista na corrente estruturalista, o filósofo traz a releitura empreendida por Althusser acerca do Marxismo.
A análise althusseriana mostrou a finalidade da História até o século XX: a reconstrução do “passado dos grandes conjuntos nacionais, conforme os quais a sociedade industrial capitalista se dividia ou se agrupava.” (p. 286). Desse modo, a História, na ideologia burguesa, foi fundamental para mostrar a unidade desses conjuntos nacionais necessários para a manutenção do Capitalismo, porque o sistema ideológico no qual a História estava inscrita servia para reforçar a “totalidade do passado nacional” (p. 286).
Porém, para a compreensão do papel da História “ela deve ser preferencialmente compreendida como a análise das transformações das quais as sociedades são efetivamente capazes” (p. 287). Em perspectiva foucaultiana, é preciso considerar, a partir de agora, a mudança e o acontecimento, e não mais o tempo e o passado, como Foucault propõe a prática de uma “história serial”, a qual tem por objetivo estudar, “a partir de um conjunto de documentos dos quais ela dispõe”, e estabelecer, com base nesses documentos, um certo número de relações, “assim, a história serial faz emergir diferentes estratos de acontecimentos, dos quais são visíveis, imediatamente conhecidos até pelos contemporâneos, e em seguida, debaixo desses acontecimentos que são de qualquer forma a espuma da história, há outros acontecimentos invisíveis, imperceptíveis para os contemporâneos, e que são de um tipo completamente diferente.” (p. 291).
No que se refere a isto, Foucault (2008, p. 5) atesta que
não se trata de colocar tudo num certo plano, que seria o do acontecimento, mas de considerar que existe todo um escalonamento de tipos de acontecimentos que não têm o mesmo alcance, a mesma amplitude cronológica, nem a mesma capacidade de produzir efeitos. O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros.
Dessa forma, os acontecimentos pertencem a níveis diferenciados e podem se constituir como fatos comuns ou mesmo extraordinários, contudo, estão sempre apontando para as diferentes temporalidades que compõem a história, ou seja, enquanto relações discursivas, estes se justapõem, sobrepõem, interpelam, atualizam e coexistem.
Em oposição à História Tradicional, aquela na qual o historiador buscava a causa ou o sentido escondido por trás de um determinado fato visível, assim, a história serial permitiu ao historiador a descoberta, no interior da História, tipos de durações diferentes.
Foucault finaliza o texto tecendo comentários sobre a necessidade da substituição da “noção de tempo pela noção de duração múltipla” (p. 293). Ou seja, não há uma corrente evolutiva que engloba todos os acontecimentos sociais, ocorre, “na verdade, durações múltiplas, e cada uma delas é portadora de um certo tipo de acontecimentos.” (p. 294).
Há ainda a ressalva a não-consideração da interpretação por parte dos historiadores e dos estruturalistas, porque “eles tratam o documento do ponto de vista de suas relações internas e externas” (p. 294). Nesse movimento de descrição apenas, os estruturalistas e os historiadores falham em definir as transformações e os tipos de acontecimentos e suas durações, respectivamente, pois não atentam ao “aparecimento das descontinuidades na História e o aparecimento de transformações regradas e coerentes.” (p. 295).
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Resumo: Alguma Arqueologia (André Queiroz)
Organização do resumo: Andréa Zíngara
Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro
(...) Podemos então perguntar o que é a “arqueologia”, se não é nem uma teoria nem uma metodologia. Minha resposta é que é alguma coisa como a designação de um objeto: uma tentativa de identificar o nível no qual precisava situar-me para fazer emergir esses objetivos que eu tinha manipulado durante muito tempo sem saber sequer que eles existiam, e portanto sem poder nomeá-los.
Michel Foucault
Alguma Arqueologia insere-se no livro intitulado Foucault: o paradoxo das passagens de André Queiroz, cujo título já suscitaria discussão. No entanto, em poucas páginas o leitor é situado a propósito desse paradoxo principalmente relacionado ao estatuto da noção de descontinuidade presente em dois textos de Michel Foucault, A história da Loucura (1961) e As palavras e as Coisas (1966).
Vale lembrar que na fase chamada “arqueológica” o filósofo francês trata da história dos saberes. Suas pesquisas resultaram em três obras, talvez as mais polêmicas, a saber, História da Loucura (idem), O nascimento da Clínica (1963) e As palavras e as Coisas (idem) as quais inspirariam ou “exigiriam” a escrita de uma quarta obra, A arqueologia do saber (1969), na qual Foucault procura esclarecer alguns conceitos até então mal interpretados por uma parcela de intelectuais de seu tempo. Nela também o filósofo deseja, segundo Lecourt (1996), libertar-se dos aspectos “estruturalistas” da episteme vislumbrada, sobretudo na obra de 1966.
Segundo Queiroz (1999), a pesquisa arqueológica de Foucault caracteriza-se pelo fato deste colocar-se fora do eixo da continuidade, para além do estigma do progresso científico, ou da inteligibilidade da história. Sua arqueologia não consiste, porém, em um método e tampouco em uma teoria, pois conforme o próprio filósofo ela “é alguma coisa como a designação de um objeto: uma tentativa de identificar o nível no qual precisava situar-me para fazer emergir esses objetivos que eu tinha manipulado durante muito tempo sem saber sequer que eles existiam, portanto, sem poder nomeá-los” (p. 33).
Se seu empreendimento não constitui um método nem uma teoria, ele configura-se, pelo menos, como uma trajetória na qual se observa, conforme Queiroz (idem), um sem-número de passagens. Assim, o projeto maior desse empreendimento seria o de opor-se às histórias totalizantes, contínuas e retrospectivas; opor-se à história das ideias e das ciências para apoiar-se em uma arqueologia que se define por sistemas de simultaneidade e por série de mutações necessárias e suficientes para circunscrever o limiar de uma positividade nova . Todavia, sua obra não foi assim interpretada por boa parcela de leitores, já que Foucault teria sido alvo de duras críticas, sendo tachado de “estruturalista” e até mesmo apontado como alguém que teria recusado a história.
O autor de Alguma arqueologia chama atenção para o fato de que ficar entre uma determinada análise conceitual e uma renovação de procedimentos técnico-conceituais, isto é, novos postulados de pesquisa, é ficar restrito ao nível dos temas e das ideias, dos fantasmas da quase-continuidade que por sua vez é regida pelos avanços de uma história como discursividade de um espaço sem fissura. Mas, essa quase-continuidade é rompida pela análise foucaultiana que se desarticula do nível dos temas e das ideias, e se coloca ao nível dos estratos, das formas, do arquivo, excluindo o tema geral do conhecimento.
As passagens às quais se refere o autor dizem respeito aos textos das referidas obras sobre os quais os pressupostos críticos de Foucault se articulam, ainda que ele não fale a partir dos mesmos instrumentais, conforme explica Queiroz (idem, p. 33-34).
Um grande equívoco acerca dos discursos sobre a loucura é denunciado em História da Loucura (1961), já que aí os mesmos são destituídos de uma história retrospectiva que pretendia que passado e presente se articulassem por meio de argumentos que invocam precursores e continuidades. Assim, a loucura como doença mental pode ser, segundo Foucault, historicizada, datada e localizada a partir do século XIX.
Já em O nascimento da Clínica (1963) contemplam-se críticas às análises que assimilam a medicina moderna à medicina clássica, quando Foucault apoia-se no “a priori” concreto de cada época e na disposição arqueológica que caracteriza as práticas médicas em suas descontinuidades. Rompe, mais uma vez, com a pretensa continuidade.
Como não seria diferente, em As palavras e as Coisas (1966), Michel Foucault persiste em mostrar as descontinuidades ou rupturas arqueológicas (transformações que se referem ao regime geral de uma ou várias formações discursivas) que promovem os deslocamentos dos saberes. Em busca de uma análise das experiências empíricas da vida, do trabalho e da linguagem, o autor busca situar a emergência das ciências humanas que deslocaram o saber do espaço da representação clássica. Descarta-se, assim, a teoria geral das representações para dar lugar à noção de epistémê (ordem histórica dos saberes).
Nesse ponto, Queiroz atenta-se para o fato de que se deve questionar a propósito de alguns aspectos dessas passagens ao indagar: da História da Loucura à As Palavras e as Coisas, a descontinuidade empreendida por Foucault tem o mesmo estatuto?
Para tanto, o autor explica que no Renascimento havia uma ambiguidade na percepção da loucura que era percebida como crítica ou trágica tendo sido a primeira predominante; Nela a loucura era desprovida de seu saber ou de suas verdades fundamentais. Na idade clássica o louco era assimilado à desordem ética do libertino, do herege, do promíscuo. Esse louco torna-se o “outro” da razão, aquele que desrespeita as leis do mundo e que é considerado como que “culpado” pela sua condição e como punição, o isolamento. Finalmente, na modernidade, o louco ficaria também apartado, já que havia perdido sua razão; no entanto, é percebido mais como vítima do que agente de seu infortúnio e de sua dor, diferentemente do louco da idade clássica que passa a ser visto como útil para a demanda de mão-de-obra do capitalismo, não havendo razão, dessa forma, para ficar internado.
Nesse panorama, destaca-se que na dimensão fundamental da loucura observa-se a descontinuidade nas práticas de poder sobre o louco, no entanto o espaço onde se dá sua experiência fundamental deveria ser pensado como um elemento de continuidade. A própria loucura se sobreporia à história de sua captura, logo a descontinuidade não se daria por completo.
Em As Palavras e as Coisas (1966), o conhecimento baseado no visível é rejeitado para dar lugar à ordem do empírico. A epistémê é uma ordem histórica dos saberes. Aqui o homem aparece como objeto do saber, como ser que trabalha, vive e fala, está preso à produção e à linguagem. Todavia, essas problematizações e novos saberes puderam emergir graças ao deslocamento da epistémê clássica da representação que deu lugar a uma nova epistémê.
Ao comparar o pensamento do filósofo Michel Foucault nas duas obras, Queiroz (1999) conclui ou deixa concluir que nesta última não há resquícios de uma continuidade fundamental como aquela presente em A história da loucura, uma vez que a partir do plano da epistémê, o qual rege os objetos e todos os saberes, vislumbra-se um plano de simultaneidades que delimitam o que pode ou não ser pensado e a partir dele permanece atado ao presente de sua época.
O autor ressalta ainda que a arqueologia foucaultiana, caracterizada principalmente pela crítica a um modelo historicizante característico das histórias das ideias e das ciências, esbarra no paradoxo de seu próprio discurso já que se percebe uma “quase-continuidade” da loucura, pensada como “experiência fundamental”, em A história da loucura que seria incoerente com a descontinuidade radical constatada da epistémê, levando a pensar que o estatuto da descontinuidade não pode ser o mesmo.
Referências
LECOURT, D. A Arqueologia e o Saber. In: ROUANET, S. P.; MERQUIOR, J.G. (orgs.) O homem e o discurso. A arqueologia de Michel Foucault. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2008, p. 43-66.
QUEIROZ, A. Alguma Arqueologia. In: ______. Foucault: o paradoxo das passagens. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. p. 29-38.
Referências consultadas
GREGOLIN, M.R.V. O enunciado e o arquivo: Foucault (entre)vistas. In: SARGENTINI, V.; NAVARRO-BARBOSA, P. (orgs). Foucault e os domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004, p. 23-44.
MACHADO, R. Uma Arqueologia do Saber. In: ______. Foucault: a ciência e o saber. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p.111-142.
1)Por que alguma (coisa ou quantidade indefinida) arqueologia? Se a arqueologia foucautiana é indefinida ou incompleta, onde, exatamente, estaria sua inconsistência, ou sua incompletude?
2)O paradoxo do qual trata Queiroz faz referência a que e de que/qual passagem (ens) fala o autor?
3)Em que consiste a fase arqueológica ou história dos saberes e quais são as obras de Foucault que representariam essa fase?
4)Foaucault é tachado de “estruturalista” e como alguém que teria recusado a história. No entanto, o filósofo se diz totalmente “anti-estruturalista”. Como é resolvido esse “impasse”?
5)Como Foucault define “positividade” e “a priori histórico”?
Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro
(...) Podemos então perguntar o que é a “arqueologia”, se não é nem uma teoria nem uma metodologia. Minha resposta é que é alguma coisa como a designação de um objeto: uma tentativa de identificar o nível no qual precisava situar-me para fazer emergir esses objetivos que eu tinha manipulado durante muito tempo sem saber sequer que eles existiam, e portanto sem poder nomeá-los.
Michel Foucault
Alguma Arqueologia insere-se no livro intitulado Foucault: o paradoxo das passagens de André Queiroz, cujo título já suscitaria discussão. No entanto, em poucas páginas o leitor é situado a propósito desse paradoxo principalmente relacionado ao estatuto da noção de descontinuidade presente em dois textos de Michel Foucault, A história da Loucura (1961) e As palavras e as Coisas (1966).
Vale lembrar que na fase chamada “arqueológica” o filósofo francês trata da história dos saberes. Suas pesquisas resultaram em três obras, talvez as mais polêmicas, a saber, História da Loucura (idem), O nascimento da Clínica (1963) e As palavras e as Coisas (idem) as quais inspirariam ou “exigiriam” a escrita de uma quarta obra, A arqueologia do saber (1969), na qual Foucault procura esclarecer alguns conceitos até então mal interpretados por uma parcela de intelectuais de seu tempo. Nela também o filósofo deseja, segundo Lecourt (1996), libertar-se dos aspectos “estruturalistas” da episteme vislumbrada, sobretudo na obra de 1966.
Segundo Queiroz (1999), a pesquisa arqueológica de Foucault caracteriza-se pelo fato deste colocar-se fora do eixo da continuidade, para além do estigma do progresso científico, ou da inteligibilidade da história. Sua arqueologia não consiste, porém, em um método e tampouco em uma teoria, pois conforme o próprio filósofo ela “é alguma coisa como a designação de um objeto: uma tentativa de identificar o nível no qual precisava situar-me para fazer emergir esses objetivos que eu tinha manipulado durante muito tempo sem saber sequer que eles existiam, portanto, sem poder nomeá-los” (p. 33).
Se seu empreendimento não constitui um método nem uma teoria, ele configura-se, pelo menos, como uma trajetória na qual se observa, conforme Queiroz (idem), um sem-número de passagens. Assim, o projeto maior desse empreendimento seria o de opor-se às histórias totalizantes, contínuas e retrospectivas; opor-se à história das ideias e das ciências para apoiar-se em uma arqueologia que se define por sistemas de simultaneidade e por série de mutações necessárias e suficientes para circunscrever o limiar de uma positividade nova . Todavia, sua obra não foi assim interpretada por boa parcela de leitores, já que Foucault teria sido alvo de duras críticas, sendo tachado de “estruturalista” e até mesmo apontado como alguém que teria recusado a história.
O autor de Alguma arqueologia chama atenção para o fato de que ficar entre uma determinada análise conceitual e uma renovação de procedimentos técnico-conceituais, isto é, novos postulados de pesquisa, é ficar restrito ao nível dos temas e das ideias, dos fantasmas da quase-continuidade que por sua vez é regida pelos avanços de uma história como discursividade de um espaço sem fissura. Mas, essa quase-continuidade é rompida pela análise foucaultiana que se desarticula do nível dos temas e das ideias, e se coloca ao nível dos estratos, das formas, do arquivo, excluindo o tema geral do conhecimento.
As passagens às quais se refere o autor dizem respeito aos textos das referidas obras sobre os quais os pressupostos críticos de Foucault se articulam, ainda que ele não fale a partir dos mesmos instrumentais, conforme explica Queiroz (idem, p. 33-34).
Um grande equívoco acerca dos discursos sobre a loucura é denunciado em História da Loucura (1961), já que aí os mesmos são destituídos de uma história retrospectiva que pretendia que passado e presente se articulassem por meio de argumentos que invocam precursores e continuidades. Assim, a loucura como doença mental pode ser, segundo Foucault, historicizada, datada e localizada a partir do século XIX.
Já em O nascimento da Clínica (1963) contemplam-se críticas às análises que assimilam a medicina moderna à medicina clássica, quando Foucault apoia-se no “a priori” concreto de cada época e na disposição arqueológica que caracteriza as práticas médicas em suas descontinuidades. Rompe, mais uma vez, com a pretensa continuidade.
Como não seria diferente, em As palavras e as Coisas (1966), Michel Foucault persiste em mostrar as descontinuidades ou rupturas arqueológicas (transformações que se referem ao regime geral de uma ou várias formações discursivas) que promovem os deslocamentos dos saberes. Em busca de uma análise das experiências empíricas da vida, do trabalho e da linguagem, o autor busca situar a emergência das ciências humanas que deslocaram o saber do espaço da representação clássica. Descarta-se, assim, a teoria geral das representações para dar lugar à noção de epistémê (ordem histórica dos saberes).
Nesse ponto, Queiroz atenta-se para o fato de que se deve questionar a propósito de alguns aspectos dessas passagens ao indagar: da História da Loucura à As Palavras e as Coisas, a descontinuidade empreendida por Foucault tem o mesmo estatuto?
Para tanto, o autor explica que no Renascimento havia uma ambiguidade na percepção da loucura que era percebida como crítica ou trágica tendo sido a primeira predominante; Nela a loucura era desprovida de seu saber ou de suas verdades fundamentais. Na idade clássica o louco era assimilado à desordem ética do libertino, do herege, do promíscuo. Esse louco torna-se o “outro” da razão, aquele que desrespeita as leis do mundo e que é considerado como que “culpado” pela sua condição e como punição, o isolamento. Finalmente, na modernidade, o louco ficaria também apartado, já que havia perdido sua razão; no entanto, é percebido mais como vítima do que agente de seu infortúnio e de sua dor, diferentemente do louco da idade clássica que passa a ser visto como útil para a demanda de mão-de-obra do capitalismo, não havendo razão, dessa forma, para ficar internado.
Nesse panorama, destaca-se que na dimensão fundamental da loucura observa-se a descontinuidade nas práticas de poder sobre o louco, no entanto o espaço onde se dá sua experiência fundamental deveria ser pensado como um elemento de continuidade. A própria loucura se sobreporia à história de sua captura, logo a descontinuidade não se daria por completo.
Em As Palavras e as Coisas (1966), o conhecimento baseado no visível é rejeitado para dar lugar à ordem do empírico. A epistémê é uma ordem histórica dos saberes. Aqui o homem aparece como objeto do saber, como ser que trabalha, vive e fala, está preso à produção e à linguagem. Todavia, essas problematizações e novos saberes puderam emergir graças ao deslocamento da epistémê clássica da representação que deu lugar a uma nova epistémê.
Ao comparar o pensamento do filósofo Michel Foucault nas duas obras, Queiroz (1999) conclui ou deixa concluir que nesta última não há resquícios de uma continuidade fundamental como aquela presente em A história da loucura, uma vez que a partir do plano da epistémê, o qual rege os objetos e todos os saberes, vislumbra-se um plano de simultaneidades que delimitam o que pode ou não ser pensado e a partir dele permanece atado ao presente de sua época.
O autor ressalta ainda que a arqueologia foucaultiana, caracterizada principalmente pela crítica a um modelo historicizante característico das histórias das ideias e das ciências, esbarra no paradoxo de seu próprio discurso já que se percebe uma “quase-continuidade” da loucura, pensada como “experiência fundamental”, em A história da loucura que seria incoerente com a descontinuidade radical constatada da epistémê, levando a pensar que o estatuto da descontinuidade não pode ser o mesmo.
Referências
LECOURT, D. A Arqueologia e o Saber. In: ROUANET, S. P.; MERQUIOR, J.G. (orgs.) O homem e o discurso. A arqueologia de Michel Foucault. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2008, p. 43-66.
QUEIROZ, A. Alguma Arqueologia. In: ______. Foucault: o paradoxo das passagens. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. p. 29-38.
Referências consultadas
GREGOLIN, M.R.V. O enunciado e o arquivo: Foucault (entre)vistas. In: SARGENTINI, V.; NAVARRO-BARBOSA, P. (orgs). Foucault e os domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004, p. 23-44.
MACHADO, R. Uma Arqueologia do Saber. In: ______. Foucault: a ciência e o saber. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p.111-142.
1)Por que alguma (coisa ou quantidade indefinida) arqueologia? Se a arqueologia foucautiana é indefinida ou incompleta, onde, exatamente, estaria sua inconsistência, ou sua incompletude?
2)O paradoxo do qual trata Queiroz faz referência a que e de que/qual passagem (ens) fala o autor?
3)Em que consiste a fase arqueológica ou história dos saberes e quais são as obras de Foucault que representariam essa fase?
4)Foaucault é tachado de “estruturalista” e como alguém que teria recusado a história. No entanto, o filósofo se diz totalmente “anti-estruturalista”. Como é resolvido esse “impasse”?
5)Como Foucault define “positividade” e “a priori histórico”?
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