quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Arqueologia do Saber: As Regularidades Discursivas (Parte 3)

_RESUMO_

FOUCAULT, M. As Regularidades Discursivas. In: ________. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. pp. 21-85.

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A Formação dos Conceitos

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“Antes que querer repor os conceitos em um edifício dedutivo virtual, seria necessário descrever a organização do campo de enunciados em que aparecem e circulam” (2008, p. 62). Essa organização compreende:

A) As formas de sucessão, as diversas disposições das séries enunciativas, os diversos tipos de correlação, os diversos esquemas: “A história natural, nos séculos XVII e XVIII, não é simplesmente uma forma de conhecimento que deu uma nova definição aos conceitos de ‘gênero’ ou de ‘caráter’ e que introduziu conceitos novos como o de ‘classificação natural’ ou de ‘mamífero’; é, antes de tudo, um conjunto de regras para dispor em série enunciados, um conjunto obrigatório de esquemas de dependências, de ordem e de sucessões em que se distribuem os elementos recorrentes que podem valer como conceitos” (2008, p, 63).

B) Formas de coexistência (campo de presença, campo de concomitância, domínio de memória).

C) Procedimentos de intervenção (técnicas de reescrita, métodos de transcrição, modos de tradução, aproximação, delimitação, transferência, a sistematização e a redistribuição).

“O que pertence propriamente a uma formação discursiva e o que permite delimitar o grupo de conceitos, embora discordantes, que lhe são específicos, é a maneira pela qual esses diferentes elementos estão relacionados uns aos outros: a maneira, por exemplo, pela qual a disposição das descrições ou das narrações está ligada às técnicas de reescrita”, etc. (2008, p. 65-6).

“Tal análise refere-se, pois, a um nível de certa forma pré-conceitual, ao campo em que os conceitos podem coexistir e às regras às quais esse campo está submetido” (2008, p. 66). “O nível ‘pré-conceitual’ assim descrito, em lugar de delinear um horizonte que viria do fundo da história e se amnteria atravé dela, é, pelo contrário, no nível mais ‘superficial’ (no nível dos discursos), o conjunto de regras que aí se encontram efetivamente aplicadas” (2008, p. 69).

“O campo pré-conceitual deixa aparecerem as regularidades e coações discursivas que tornaram possível a multiplicidade heterogênea dos conceitos, e, em seguida, mais além ainda, a abundância desses temas, dessas crenças, dessas representações às quais nos dirigimos naturalmente quando fazemos a história das idéias” (2008, p. 70).

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A Formação das Estratégias

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De antemão, há certa dificuldade de demarcar a formação das estratégias (temas e teorias), visto que Foucault admite não tê-los tratado especificamente em seus trabalhos anteriores à Arqueologia;

1ª direção: Pontos de difração: pontos de incompatibilidade, pontos de equivalência e pontos de ligação de uma sistematização;

Pontos de incompatibilidade: onde dois objetos, tipos de enunciação ou conceitos distintos não podem ocupar o mesmo lugar em uma série de enunciados (FOUCAULT, p. 73); no caso em que isso acontecer, corre-se o risco de gerar a contradição;

Pontos de equivalência: há a incompatibilidade entre os objetos, mas as condições de aparecimento destes são as mesmas;

Pontos de ligação de uma sistematização: cadeia de novos objetos, conceitos e tipos de enunciação que são dados a partir de determinados temas e teorias.

2ª direção: Determinação de uma economia da constelação discursiva: relação entre certas práticas discursivas e um domínio maior de regras de formação que determinam seu funcionamento, podendo servir como modelo concreto num nível de abstração mais elevado ou um sistema formal que indica bases de aplicação para outros discursos.

3ª direção: Estabelecimento de relação entre as práticas discursivas e as práticas não discursivas: regime e processos de apropriação do discurso e as posições possíveis do desejo em relação ao discurso. Não se trata de entender essas relações com as práticas não discursivas como extrínsecas às formações discursivas, mas sim como elementos também formadores.

“Ao final, Foucault sintetiza as oposições elencadas no desdobrar de suas quatro hipóteses sobre os agrupamentos discursivos e o funcionamento das regras de formação:

[...] E assim, como não seria preciso relacionar a formação dos objetos nem às palavras nem às coisas, a das enunciações, nem à forma pura do conhecimento nem ao sujeito psicológico, a dos conceitos, nem à estrutura da idealidade nem à sucessão das idéias, não é preciso relacionar a formação das escolhas teóricas nem a um projeto fundamental nem ao jogo secundário das opiniões (FOUCAULT, p. 78).

Podemos nos questionar, daí, sobre o que haveria de semelhante entre as palavras, as coisas, a forma pura do conhecimento, o sujeito psicológico, a estrutura da idealidade, a sucessão das ideias, um projeto fundamental e um jogo de opiniões, a ponto de serem todos negados na empreitada que pressupõe a demarcação de uma formação discursiva. De modo geral, devemos entender em todos esses conceitos e fenômenos o fechamento da prática discursiva ora a algo que é exterior ao discurso e que determina definitivamente todo seu movimento, ora um teor de escolha que é depositado nas mãos de um único indivíduo, ou ainda conceitos e teorias que preexistem à própria prática e que esperam para serem ativados. Em todos esses casos, a regularidade do discurso é dada pelo seu caráter local, fundante, homogêneo, e, de modo oposto, Foucault insiste, continuadamente, na dispersão.”

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