quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Resumo: Uma Arqueologia do Saber (Roberto Machado)

MACHADO, R. Uma Arqueologia do Saber. In: ________. Foucault: a ciência e o saber. 4 ed.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. pp.111-142.

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Encontro do dia 03 de novembro de 2010.

Organizadora: Aline Cordeiro

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Machado aponta que o objetivo de As palavras e as coisas é fazer uma análise das ciências humanas considerando os saberes sobre o homem (algo que intriga Foucault). Em trabalhos anteriores (História da Loucura, Nascimento da Clínica) não foi possível abordar as questões que envolvem as ciências humanas, Foucault encontra solo fértil na era moderna que permite tematizar o homem com objeto e sujeito da ciência. Diferentemente da discussão filosófica sobre esse tema que leva para o lado da cientificidade e da matematização – Foucault traz uma análise arqueológica que contempla a historicidade que atravessa os saberes sobre o homem. Esse olhar que ele lança sobre as ciências humanas aponta que o homem tem duas funções no campo do saber (como algo empírico e também como fundamento filosófico). A primeira entende a vida, o trabalho e a linguagem como objetos, Foucault denomina isso como priori histórico, e a segunda entende o homem como algo que possibilita o saber. Essas funções explicam a emergência das ciências humanas que compreende o homem como representação.

Antes do saber moderno surgir, o saber clássico predominava e se constituía na ordem do científico, isto é, o conhecimento se baseava naquilo que era possível ver, excluindo o saber formado pelas lendas, tradições, entre outros. A título de ilustração temos o papel da descrição na história natural, que era traduzir em palavras o que era visto. Nessa descrição contemplavam-se aspectos essenciais dos seres vivos como as linhas, superfícies e volumes, desconsiderando os sentidos. A configuração do saber nesse momento sobre a natureza sofre modificações no final do século XVIII. A essência dessa mudança era que o conhecimento baseado no visível passa para a ordem do empírico, marcando a passagem da história natural para a biologia. Além disso, a economia também passa por transformações, ao passo que o trabalho é visto como uma atividade de produção que é a fonte valor, assim, o trabalho é considerado um produto. Outra área que tem sua base modificada é a linguagem que passa a ter uma organização, pois é considerada um objeto. Esses campos do saber – vida, trabalho e linguagem – ao serem tematizados, definem o homem como objeto do saber.

Como resultado da constituição do saber moderno, o homem passa a ter dupla função – como objeto e como sujeito do conhecimento – estabelecido a priori histórico. O espaço entre essas funções é o da representação. Na modernidade a representação vai se referir ao homem, isto é, ela deixa “de ser co-extensiva ao saber, ela se torna um fenômeno de ordem empírico que se produz no homem” (p.125). A representação que o homem faz sobre a vida, trabalho e a linguagem, são os objetos das ciências humanas, assim, essas ciências estudam o homem enquanto ele se representa fisicamente, a sociedade em que trabalha e o sentido das palavras.

A abordagem que Foucault faz do método arqueológico para estudar as ciências humanas, revela uma característica que é “a definição da especificidade do objeto de análise como sendo a episteme” (p.132). A questão da episteme surge nas reflexões de Foucault, em um momento de investigação de uma ordem interna que constitui o saber. Nesse sentido, episteme não é o mesmo que saber. A episteme revela uma ordem histórica dos saberes anterior à uma ordem do discurso definida pelos critérios de cientificidade e dela independente.

À luz do exposto, a episteme de uma época revela a relação da arqueologia com a história das idéias e com a história epistemológica. A história das idéias é criticada em As palavras e as coisas, pois seu objetivo é explicar os saberes a partir de seu exterior, considerando as condições econômicas ou considerando outros saberes ou experiências que lhe teriam determinando a existência. Para Foucault essa perspectiva mesmo sendo explicativa, não dava conta do conceito. As palavras e as coisas abordam tanto exterior quanto o interior dos saberes, aponta seus conceitos essenciais e estabelece inter-relações conceituais, sempre no nível do saber. Outro aspecto criticado por Foucault é que a história das idéias procura numa mesma época contradições entre diferentes teorias. A análise feita em As palavras e as coisas entende essas contradições como um efeito de superfície, assim para se ter uma análise profunda e coerente é necessário realizar uma análise arqueológica que considera o a priori histórico de dado saber. Por último a história da idéias tem caráter contínuo, ao contrário disso, a arqueologia, assim como a epistemologia, apontam a descontinuidade na história.

A epistemologia e a arqueologia têm objeto de estudo distinto, enquanto uma tem como objeto as ciências, a outra tem como objeto o saber, respectivamente. Vale ressaltar que a arqueologia estabelece uma descontinuidade diferente da epistemológica, visto que, a arqueologia não contempla apenas uma ciência ou apenas um conceito, ela vai além e busca estabelecer o saber a partir de uma época. A arqueologia procura, no interior do saber, definir a verdade de uma época,e, assim estabelecer as condições de possibilidade desses saberes.