terça-feira, 7 de junho de 2011

A sombra do paradoxo: Epistémê e acontecimento

Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro
Organização: Bruno Franceschini

A sombra do paradoxo: Epistémê e acontecimento
QUEIROZ, André. Foucault: o paradoxo das passagens. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999.

A Arqueologia do Saber foi escrita de modo a rebater as críticas surgidas de “As Palavras e as Coisas”, de 1966, a qual suscitou diversas críticas à Michel Foucault por conta de delimitação precisa das epistémês “como o espaço de definição e da configuração de certos saberes em determinadas épocas” (p.40).
Ao confrontar essas críticas e esclarecer os objetivos da análise arqueológica, Foucault, em “A Arqueologia do Saber”, procurou delimitar as regras de formação dos saberes, das práticas discursivas em conceitos tais como: enunciado, formação discursiva e arquivo, os quais têm por função a descrição do “nível de penetração” e da “razão de ser” de um discurso, de uma prática discursiva.
A preocupação em pontuar esses conceitos é justificada pela “crítica à continuidade e ao antropologismo” (p. 41) apresentado em “As Palavras e as Coisas”. Assim, a Arqueologia tem por mote definir os parâmetros da análise arqueológica com vistas à “eliminar as hipóteses de uma (sua) predisposição à descontinuidade.” (p. 41). Para Foucault, segundo Queiroz (1999), o método proposto na Arqueologia está fundado nas regras de formação, na regularidade discursiva, nos “a priori” históricos e nos arquivos.
A crítica à noção de epistémê é um tanto quanto curiosa, porque este conceito é praticamente excluído na Arqueologia. Se, em As Palavras e as Coisas, Foucault a epistémê diz respeito, nas palavras de Machado (apud Queiroz, 1999), à “existência necessária de uma ordem, de um princípio de ordenação histórica dos saberes anterior à ordenação do discurso.” (p.42), Já na Arqueologia, Foucault trabalha este conceito como o “conjunto de relações que podem unir formações discursivas que dão lugar a figuras epistemológicas” (p.47). Ou seja, A Arqueologia procura, na descrição dos “a priori” históricos, a “profundidade anterior aos discursos, a cientificidade destes, mas contemporâneo aos processos de formação dos discursos” (p. 43).
É neste entremeio que, segundo Queiroz (1999, p. 44), está o paradoxo foucaultiano acerca da epistémê, posto que a epistémê, num primeiro momento, é “solo de regência do que é possível (saberes, enunciados, formações discursivas)”, no entanto, surge o questionamento sobre a inserção destes aspectos “num solo epistemológico datado e não nas regiões dos seus limites”, ocorrendo, deste modo, o questionamento quanto à descontinuidade das epistémês com relação aos aspectos de globalidade e de profundidade deste conceito. Para Foucault, “a descontinuidade encerrada em solos de simultaneidade e uma quase impossibilidade lógica de pensarmos as mutações históricas... ou como Foucault preferia dizer: os acontecimentos.”. Ao tratar do descontínuo, das multiplicidades, das dispersões, é que o filósofo, delimita os conceitos de epistémê e de acontecimento na análise arqueológica e reformula o que fora apresentado em As Palavras e as Coisas e na A Arqueologia do Saber.

Retornar à História

Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro
Organização: Bruno Franceschini

Retornar à História
FOUCAULT, M. Arqueologia das Ciências e História dos sistemas de pensamento. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

Em “Retornar à História”, Foucault trata das implicações do Estruturalismo e da História na estratégia de reformulação do conceito de acontecimento. Um aspecto tratado no texto diz respeito ao propósito inicial dessa corrente filosófica: a oferta de “um método mais preciso e mais rigoroso às pesquisas históricas” (p. 282). Assim, o Estruturalismo procurava fazer uma história “rigorosa e sistemática” (p. 282), como exemplificado no texto:
a) método estrutural em Etnologia;
b) Linguística - fonética histórica;
c) aplicação do Estruturalismo à Literatura.
No entanto, às aplicações do método estrutural à essas ciências não foram bem sucedidas, uma vez que o aspecto histórico não havia sido considerado em sua dimensão. Foucault questiona então alguns entraves deste método, tais como: “Como é possível fazer história, se não se leva em conta o tempo? Mas há mais. Como se poderia dizer que a análise estrutural é histórica, se ela privilegia não somente a simultaneidade sobre o sucessivo, mas, por outro lado, o lógico sobre o causal?” (p. 285)
Foucault ainda aponta outra brecha deixada pelo Estruturalismo ao mostrar a consideração da estrutura e das regras de coerção em detrimento à prática humana. Sobre as influências do movimento marxista na corrente estruturalista, o filósofo traz a releitura empreendida por Althusser acerca do Marxismo.
A análise althusseriana mostrou a finalidade da História até o século XX: a reconstrução do “passado dos grandes conjuntos nacionais, conforme os quais a sociedade industrial capitalista se dividia ou se agrupava.” (p. 286). Desse modo, a História, na ideologia burguesa, foi fundamental para mostrar a unidade desses conjuntos nacionais necessários para a manutenção do Capitalismo, porque o sistema ideológico no qual a História estava inscrita servia para reforçar a “totalidade do passado nacional” (p. 286).
Porém, para a compreensão do papel da História “ela deve ser preferencialmente compreendida como a análise das transformações das quais as sociedades são efetivamente capazes” (p. 287). Em perspectiva foucaultiana, é preciso considerar, a partir de agora, a mudança e o acontecimento, e não mais o tempo e o passado, como Foucault propõe a prática de uma “história serial”, a qual tem por objetivo estudar, “a partir de um conjunto de documentos dos quais ela dispõe”, e estabelecer, com base nesses documentos, um certo número de relações, “assim, a história serial faz emergir diferentes estratos de acontecimentos, dos quais são visíveis, imediatamente conhecidos até pelos contemporâneos, e em seguida, debaixo desses acontecimentos que são de qualquer forma a espuma da história, há outros acontecimentos invisíveis, imperceptíveis para os contemporâneos, e que são de um tipo completamente diferente.” (p. 291).
No que se refere a isto, Foucault (2008, p. 5) atesta que
não se trata de colocar tudo num certo plano, que seria o do acontecimento, mas de considerar que existe todo um escalonamento de tipos de acontecimentos que não têm o mesmo alcance, a mesma amplitude cronológica, nem a mesma capacidade de produzir efeitos. O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros.

Dessa forma, os acontecimentos pertencem a níveis diferenciados e podem se constituir como fatos comuns ou mesmo extraordinários, contudo, estão sempre apontando para as diferentes temporalidades que compõem a história, ou seja, enquanto relações discursivas, estes se justapõem, sobrepõem, interpelam, atualizam e coexistem.
Em oposição à História Tradicional, aquela na qual o historiador buscava a causa ou o sentido escondido por trás de um determinado fato visível, assim, a história serial permitiu ao historiador a descoberta, no interior da História, tipos de durações diferentes.
Foucault finaliza o texto tecendo comentários sobre a necessidade da substituição da “noção de tempo pela noção de duração múltipla” (p. 293). Ou seja, não há uma corrente evolutiva que engloba todos os acontecimentos sociais, ocorre, “na verdade, durações múltiplas, e cada uma delas é portadora de um certo tipo de acontecimentos.” (p. 294).
Há ainda a ressalva a não-consideração da interpretação por parte dos historiadores e dos estruturalistas, porque “eles tratam o documento do ponto de vista de suas relações internas e externas” (p. 294). Nesse movimento de descrição apenas, os estruturalistas e os historiadores falham em definir as transformações e os tipos de acontecimentos e suas durações, respectivamente, pois não atentam ao “aparecimento das descontinuidades na História e o aparecimento de transformações regradas e coerentes.” (p. 295).