quarta-feira, 10 de março de 2010

A Imagem Defendida e a Imagem Aniquilada: um olhar para representação da imagem sobre a educação nas capas da Revista Veja

Por
Maria Fernanda Curci Vicente - Mestranda em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PLE) da UEM; membro integrante do GEF
Dr. Pedro Navarro (Orientador) - Líder do GEF - Grupo de Estudos Foucaultianos da UEM
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RESUMO: Baseados nos estudos teóricos metodológicos em análise do discurso para textos imagéticos recolhemos uma seqüência de quatro capas de artigos jornalísticos da revista Veja tendo como temática a imagem da educação brasileira enquanto construção de sentidos. As imagens produzem uma memória e uma cultura visual, criam um discurso e uma imagem específica que direcionam a forma da sociedade ver a escola e suas práticas. Esses olhares são representados em sentidos que aqui determinamos ou consideramos como temas: o institucional, profissional, o privado e o público. Considerando que o modo como o universo escolar ou educacional e construído e conceituado evidenciamos como a continuidade de um modelo de educação é preservado através dos discursos, foi possível investigar como os discursos sobre educação são significados, legitimados, reconhecidos e mantidos nas diversas materialidades discursivas, que em nosso trabalho se materializam no texto imagético, ou seja, os discursos sobre educação em textos imagéticos são moldados pela representação imagética que é cristalizada no imaginário social, imagens que constroem sentidos.
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Palavras Chave: texto imagético, discurso, representação, educação, texto verbal e não verbal.
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INTRODUÇÃO
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Pensando em como a constituição de uma forma escolar ou educacional é afirmada na representação por meio de textos imagéticos e no quando essa materialidade cristaliza o imaginário social, buscamos compreender o jogo entre a representação produzida pela ótica da instituição que a vincula (revista Veja) por aquilo que é representado sobre o público e o privado na educação brasileira, dessa forma queremos discutir o quando um discurso se sobrepõe um ao outro, uma luta de poderes para definir à que identidade a educação deve pertencer e ser.
As imagens como já dissemos produzem uma memória e uma cultura visual, acionam um discurso, uma imagem específica que direciona a forma de como a sociedade dever ver a escola, a educação e suas práticas.
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Barthes (1984) pode nos respaldar com seus estudos sobre a fotografia, nele fizemos algumas analogias em relação à imagem em capas de revistas, já que há instâncias homólogas as da fotografia. Chamaríamos de operator o fotógrafo, então quem seria o operator de capas de revistas? o editor o designer visual? a instituição revista como um todo; o spectator-espectador que seriam os leitores e o spectrum o fotografado, a imagem em si construída. Cada uma dessas instâncias corresponde a um nível ideológico, por isso elas só podem ser entendidas caso se leve em conta o contexto sócio- histórico da situação.
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A imagem é uma criação assim como a fotografia, a construção da imagem envolve procedimentos técnicos, culturais e ideológicos. Esses elementos nos permitem construir um raciocínio de que quem produz uma imagem da ênfase, recorta e deforma de acordo com um fim proposto e de acordo com o ideológico da instituição.
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Um importante teórico para essa discussão é Michel Foucault, ao nos dizer que “interrogar a linguagem, não na direção a que ela remete, mas na dimensão que a produz” (FOUCAULT, 1995, P.129). Desse modo consideramos a imagem enquanto linguagem visual.
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Em face do já exposto, este artigo tem como objetivo geral apresentar uma análise de uma seqüência de quatro capas temáticas da revista Veja sobre educação com o objetivo de mostrar aos leitores o que é, o que deve e o que deveria ser a identidade educacional no Brasil. Procuramos detectar que imaginário cultural está sustentado nessas capas, que crise identitária se revela ao pensarmos que hoje os conceitos sobre educação são multiformes e rompem com determinados conceitos como: escola para todos, pública e de qualidade, mas nas duas capas evidenciamos uma educação pautada nos setores privados mostrando que mesmo essa fragmentação de identidade do que deveria ser a educação há nelas um poder que se quer exercer, um poder econômico, político e cultural, uma mentalidade que se ancora, uma verdade de nossa época segundo os estudos Foucaultianos.
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É o mesmo imaginário social que permite que a imagem se represente da maneira que é, isto nos possibilita uma tentativa de buscar determinar a forma de representação que a imagem da capa da revista se valeu para seus efeitos de sentidos. É criada uma identidade para a imagem que em determinado momento é exposta em meio a tantos processos identitários líquidos e fragmentados que a todo momento querem se consolidar. Stuart Hall em seus estudos sobre identidade nos esclarece que identificar uma cultura identitária, geralmente é possível quando uma identidade está em crise, ou em luta para se afirmar:
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A identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza (MERCER, 1990, p.43 apud HALL, 2006, P.9
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O próprio tema educação é um exemplo plausível de uma identidade em constante crise, porque ela é pautada na história das épocas ou nas mentalidades vigentes ou daquelas que ainda querem se formar. Compreendemos então que o descentramento que constantemente sofre as identidades é devido os diversos embates do poder pela sua busca por legitimação de uma identidade ocasionadas por constantes transformações econômicas políticas e culturais (FOUCAULT, 2006).
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1 A IMAGEM É PARA SER COMPREENDIDA
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Compreender a imagem através da ciência, da história, dos aspectos sociais e humanos que envolvem a imagem, o pintor e as pessoas retratadas buscando alinhar saberes e verdades da época que vão nos dizer de que forma essa imagem é escolhida, feita e para que, de modo a finalizar com a interrogação: que tipo de histórico se expressa no cotidiano e que estará sendo representado nas imagens, como a sociedade se organizam para que seja possível tais discursos. Essa reflexão nos possibilitou pensar na leitura de imagens enquanto algo marcado no tempo; essa conceituação nos foi possível decorrente dos estudos de Manguel (2001) sobre como as imagens devem ser lidas.
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Um texto imagético é um processo de escolha que faz nascer aquilo que ele queira em termos de sentido, dessa forma tudo na imagem é funcional, tudo nela é resultado de um trabalho técnico feito a dedo sobre os recursos chamados a constituírem o texto resultante, para uma melhor compreensão Foucault (1995):
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Eis o exemplo (...) de outra orientação possível. Para analisar um quadro, pode reconstituir discurso latente do pintor; pode-se querer reencontrar o murmúrio de suas intenções que não são, em última análise, transcrita em palavras, mas em linhas, superfícies e cores; pode-se tentar destacar a filosofia implícita que (...) forma sua visão do mundo. É possível, igualmente, interrogar a ciência, ou pelo menos as opiniões da época, e procurar reconhecer o que o pintor lhes tomou emprestado. A análise arqueológica teria outro fim; pesquisaria se o espaço, a distancia, a profundidade, a cor, a luz, as proporções, os volumes, os contornos, não foram na época considerada, nomeados, enunciados, conceitualizados em uma prática discursiva; e se o saber resultante dessa prática discursiva não foi, talvez, inserido em teorias e especulações, em formas de ensino e em receitas, mas também em processos, em técnicas e quase no próprio gesto do pintor (FOUCAULT 1995, P. 219-220).
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Assim como Barthes (1990), Foucault (1995) chama a atenção para o fato de que, no texto imagético cada recurso compositivo utilizado resulta de uma escolha ditada por uma época, por uma intencionalidade, por uma filosofia, por uma ciência, por uma opinião, enfim, no dizer do autor, de uma prática discursiva. Isto impede que àquilo que é inerente a imagem, seu caráter de inteligibilidade e empirismo possa fazer da imagem algo analógico e óbvio em relação à realidade da qual ela seria copia fiel.
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Cada recurso usado deve ser interrogado sobre as razões de sua presença e que efeitos de sentidos seriam produzidos e porque da presença dessa imagem e não de outra. Barthes (1990) fala da relação entre a geometria e o teatro; Focault (1995) o faz sobre a pintura. Mas esses conceitos também se estendem no sentido de que a geometrização proposta por Barthes se aplica a qualquer ícone, na fotografia, na propaganda, na charge em todas as imagens, geometrização entendida enquanto espacialidade ocupada e focos escolhidos em detrimento a outros.
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Perguntamos então? como os leitores vem as imagens, como as interpretam? A imagem busca um sentido e quer cumprir seu objetivo, ela traz seus conceitos sobre algo, no entanto analisar uma imagem vai muito além dessas categorias. A análise do discurso muito tem a dizer sobre isso ao investigar os processos de constituição de uma dada discursividade busca descobrir o que mobiliza as opções feitas pelo criador da imagem detectando os possíveis efeitos de sentido resultantes dessas escolhas. Especificamente para os analistas do discurso o leitor reconstituiria os trajetos feitos pelo criador da imagem, ou seja, os processos de constituição como um todo.
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1.1 O CORPUS IMAGÉTICO:
Capa 01

Capa 02


Capa 03


Capa 04


A imagem é um operador de memória se pensarmos nos estudos de Pêcheux (1999, p.52) diríamos que é “aquilo que, face em um texto que surge a ler, vem restabelecer os implícitos”. Em Foucault (1995) a memória e definida como um já dito e esse já dito sempre um jamais dito. Desse modo podemos considerar uma memória mobilizada e funcionando nessas capas pelo verbal e não verbal, essas imagens dos sujeitos nos remetem a uma interdiscursividade sobre os discursos econômicos, uma historicidade da própria enunciação, é ela que demarca todos os posicionamentos dos sujeitos nas capas, as duas primeiras capas (1e 2) em sua materialidade discursiva revela uma posição sujeito ideologicamente marcada Fernandes e Cabral nos explica:
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A imagem tomada como um operador de memória e considerada como um enunciado pode ocupar lugar no cerne da arqueologia foucaultiana, e remete-nos á noção de arquivo. Compreendido como conjunto de enunciados efetivamente produzidos em dada época, o arquivo é apresentado por Foucault (1995, p. 1249) como “lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares”. Dessa feita, arqueologia é a descrição que interroga o já dito no nível de sua existência [...] descreve os discursos como práticas específicas no elemento do arquivo (Foucault, 1995, p.151) ainda com a palavra Foucault (1995, p.149), trata do que faz com que tantas coisas ditas por tantos homens há tantos milênios (...) tenham aparecido graças a um jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo” (FERNANDES E CABRAL, apud, Romão, Gaspar, 2008, p.281)
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Nas capas evidenciamos uma educação discursivizada e reestruturada sob o signo do “homo economicus” uma forma de governamentalidade neoliberal (Foucault, 1979), por isso essa memória ainda é circulante já que o discurso contemporâneo nas suas diversas materialidades discursivas sobre a educação são ainda construídos sob a marca da herança da escola republicana do século XIX que respalda a educação enquanto a grande redentora e preparadora para as coisas do mundo, regate esse que a memória discursiva social possibilita.
A capa da revista é “um dedo que revela mais daquele que a constrói do que sobre o objeto que ele discursiviza” (Joly, 2005. p. 83). Entre o sujeito e o objeto, o primeiro revela-se mais do que o segundo, esse sujeito segundo Aumont tem:
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Um valor ideológico o seu instrumento técnico, sendo a câmara [que fotografa, filma ou controe] um instrumento que veicula uma ideologia do visível (...) a captação de uma imagem já pressupõe uma prática discursiva, isto é impregnada de historicidade e do imaginário social da qual faz parte (AUMONT, 2001, P.182-183).
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A historicidade que permeia a imagem é visualizada na representatividade das capas que corresponde a um modelo cultural, político e econômico que constantemente busca através dos discursos firmar seu modelo e subjetivar a sociedade de tal modo, a partir dessa análise percebemos que lastros culturais embasam os discursos que circulam na sociedade.
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Os estudos de Barthes (1990) sobre fotografia, cinema, pintura, teatro e música nos respondem sobre de que forma a imagem em si deve ser analisada e começamos com seu estudo sobre a distribuição espacial dos elementos na foto que se dispõe, ela demonstra a ênfase que se deseja hora nas pessoas em si, hora no texto verbal e não verbal, Barthes também analisa o papel que as cores cumprem em determinadas culturas, desse modo temos uma imagem que aparentemente aponta cenas ilustrativas sobre o que deve ser a educação por aquilo que ela não deve ser, com Barthes nos é possível compreender o sentido real da imagem, o que ela oferece em termos de conteúdo que se evidenciam através das formas utilizadas.
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Essas imagens ao resgatarmos o processo de sua constituição, reportagens mensais sobre educação em um determinado período muito evidenciam, são relações entre duas formações discursivas: dos discursos neoliberais e dos discursos das políticas de Estado, consideremos a imagem da capa quatro com a seguinte pergunta: a escola pública se apresenta na foto por quê? e de que forma? Se não há imagens e nem menções verbais sobre ela: representada na foto em que o aluno vai até o quadro escreve e pelos números apresentados que evidenciam que a maior quantidade de alunos nas escolas ainda está na escola pública, a própria conotação do aluno escrever errado remete que esses problemas só aconteceriam com os alunos da escola pública.
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Na capa três o adjetivo bom e caro levam o leitor a pressupor que não é o ensino público que a imagem chama pra si e sim em função desses adjetivos e da forma com a imagem se posiciona demonstram que o sentido da imagem remete a educação privada, já que construiu uma imagem de sentido na qual o ensino público não é bom, porque ele não tem dinheiro, a maneira como os recursos visuais foram usados mostram o quanto um sentido não precisa estar na transparência da imagem para surgir ele é construído na própria interpretação que a imagem propõe.
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Essa interpretação ainda no nível imediatista da imagem está e não está na imagem ela nos conduz no seu deciframento, Foucault (2002) nos alertou que uma imagem pode ser semelhante ou possuir uma similitude no caso dessas capas as técnicas visuais e verbais levam a similitude dos sentidos ao afirmarem um discurso negando outro, mas sem se comprometerem, esse é um exemplo das inúmeras possibilidades que a imagem permite para seus efeitos de sentido. Essa situação imagética pode nos mostrar que o sentido que a imagem propõe tem em si uma discursividade e uma ideologia tomada para si, significam na sua própria representatividade imagética e verbal ao negar outros discursos, essas imagens logo têm uma especificidade, imagens específicas que revelam uma identidade.
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Foucault ressalta o papel que uma formação discursiva pode exercer, ou seja, dita o que se pode dizer no embate pelo poder, ele ainda acrescenta que “não são as imagens ou as pessoas que se digladiam na luta por poder, mas sim discursos que se confrontam e delimitam que enunciados se pode produzir” (FOUCAULT, 2006, P.325).
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Dondis (1997) em seu livro A Sintaxe da Linguagem Visual nos explica que as técnicas de comunicação visual são empregadas de uma forma que a transmissão da mensagem possa ser a melhor forma possível e de acordo com seus interesses, baseadas na escolha de elementos que irão compor a imagem, para assim cumprir seus efeitos, a revista para respaldar sua formação discursiva cria discursos, discursos que são imagens. Dondis também escreve que o pensamento visual não é um sistema retardado, a informação é transmitida diretamente, na linguagem visual.
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É o óbvio da imagem no seu caráter espontâneo e imediatista que possibilita inúmeros efeitos de sentidos, no entanto como já nos disse Foucault (2002) “Isso não é um cachimbo” (o óbvio nada mais é do que um efeito e a questão é decifrar esse efeito a fim de compreender a imagem em sua forma e conteúdo). Para uma melhor compreensão Dondis esclarece: [...] podemos observar que o propósito da fotografia não é apenas o de reproduzir o visível que o mundo nos oferece. Ela é atravessada pela questão da figuração, do invisível [...] (DUBOIS, 2004, p.64).
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Destacamos a possibilidade de traçar um paralelo entre a análise de um texto e de uma imagem, ambas as materialidades possuem nexos em comum, já que estamos lidando com a linguagem em suas diferentes materialidades, a partir dessa conceituação respaldamos nossa análise mostrando que o texto imagético é uma forma de linguagem.
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Nas capas identificamos uma formação discursiva, na qual, o enunciador autoriza a retomada de enunciados específicos dos discursos neoliberais, aqueles que Deleuze (2005) chama de o vocabulário das sociedades ocidentais, os grandes adjetivos, os contrários, as funções extremistas, a competição, a grande instituição etc. Vocabulário que interdita outros enunciados como: pequeno, comunidade, coletividade, todos etc. As palavras em negrito nas evidenciam esse modo de enunciar.
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A imagem enquanto discurso muito nos traz em termos de análise, por exemplo, as vestes das pessoas nas capas evidenciam um ethos discursivo que segundo Maingueneau (2005) permite construir uma imagem de si e do outro para o leitor. Temos o discurso empresarial que se configura na própria imagem das roupas utilizadas, destacamos a capa um, onde aparece um senhor engravatado cobrindo o foco principal da imagem, ela nos remete a construir um sentido ligado ao mundo empresarial, poderíamos dizer que esse senhor representa um executivo da educação, um sujeito que mesmo sendo da educação se caracteriza como um executivo. Há também uma rede de implícitos que sustenta a memória discursiva do homem empresário meia idade, rico (o rei) que em nossa sociedade está representado imaginariamente como a figura do homem que tudo faz e que tudo resolve enquanto homem, empresário e rico, que ocupa um único lugar, o lugar que cabe apenas a um, desse modo esses discursos que estão respaldados pelo poder econômico e cultural vigente da sociedade recaem sobre a educação buscando instaurar esse discursos nela.
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Essa formação determinada pela memória discursiva que sustenta os sentidos oficiais sobre o que deve ser a educação interdita exatamente por sua semântica global mobilizada qualquer possibilidade de resistência, ao falar de educação dentro de uma perspectiva neoliberal expressa na própria construção da imagem, que trás consigo verdades e regimes de enunciabilidades, na medida em que existe um interdiscurso que credencia essa possibilidade, aquele que possibilita interpretar educação como um negócio como qualquer outro, ou seja, há um discurso engendrado que são aqueles da ordem enunciativa que colocam em cena os regimes econômicos e sua influência nas discursividades que exigem para si. O que pode e deve ser dito nesta materialidade evidencia o acontecimento histórico que está sempre já dito, já significando na ordem do enunciável, no interdiscurso mobilizado e o “rosto” da imagem precisa respaldar tudo isso.
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A relação das imagens com espectador também deve ser considerada porque não é algo abstrato, ao contrário dentre os múltiplos meios dessa imagem se materializar alguns contextos são observados, são esses contextos que regulam a relação do espectador com a imagem. O teórico Aumont denomina essa relação de “dispositivo, que se divide em: contexto social, contexto institucional, contexto técnico e contexto ideológico” (AUMONT, 2001, P. 15). A imagem então está imersa em contextos que influenciam sua subjetividade e seu processo de subjetivar as pessoas.
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Trilhamos também um trajeto temático nesse texto jornalístico e imagético que se resumem nas quatro capas formando um único texto, uma única imagem e um sentido específico, a partir da seleção do tema: sujeito autônomo, competitivo, o grande eleito, expresso na adjetivação que as capas trazem e no jogo de imagem proposto são eles que nos possibilitam circunscrever as palavras e expressões que em nossa análise permitiu dizer que essa maneira de enunciar verbal e não verbal corresponde a um discurso estabelecido, basta pensarmos em uma possível construção arquivista desse discurso que cerca o recorte enunciativo, isso nos mostra o que é o discurso neoliberal na sua discursividade e na sua materialidade lingüística, discursiva e imagética.
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Os discursos neoliberais no campo educacional nos mobilizam a refletir sobre os sentidos advindos de uma memória discursiva que legítima e possibilita desse discurso e não outro em seu lugar. Diante do pouco espaço que temos para essa discussão no momento faremos uma análise mais reduzida do texto verbal sobre as regularidades enunciativas que estão nesses enunciados para evidenciarmos através desse dispositivo de análise Foucaultiano os regimes de enunciabilidades. Com o conceito chamado por ele de formação discursiva tornaremos possível a análise (FOUCAULT, 1995).
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Para definir uma formação discursiva é necessário buscar as regra que estabelecem os enunciados e o lugar de onde eles vêm. Dessa forma temos que considerar:
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a) quem fala? Quem tem a competência para falar sobre determinados objetos?
b) quais são os lugares institucionais de onde quem fala obtém seu discurso?
c) quais as posições adotadas pelo sujeito que fala?
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Está evidente que o sujeito que enuncia nas capas ocupa posições e lugares para falar sobre determinado objeto, nas capas essas posições e lugares são ocupadas através de um discurso neoliberal que circula no campo educacional, esses sujeitos que ocupam falam de um lugar institucional que são os meios de comunicação e apresentam uma ideologia específica tanto por parte do sujeito que enuncia quanto da instituição revista e de sua posição, por causa dessas posições e lugares o sujeito constrói para si uma identidade sobre seu objeto (a escola, ou educação) e sobre suas relações com esse objeto. Percebemos claramente a divisão dos indivíduos nesses enunciados, Foucault chama isso de micro práticas de poder, onde cada indivíduo cumpre um papel para que o poder se exerça uns sobre os outros, que no caso, um sujeito autônomo de livre iniciativa que compete e que deve buscar o lugar mais alto e apenas para um indivíduo, também focalizamos a representação simbólica que repercute no imaginário das pessoas, uma autonomia que na verdade mascara o controle que os discursos neoliberais exercem, esses lugares dispersam os indivíduos, mas o poder é o mesmo e isto acontece exatamente pelos diversos status, lugares e posições de onde fala o sujeito e do que ele fala, a imagem no espaço que ela ocupa e nas formas que tem presencia esse lugar, essa posição e o status que os indivíduos e os discursos apresentam
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Outro importante dispositivo criado por Foucault para análise de regimes enunciativos diz respeito à memória que é resgatada na própria dispersão dos enunciados a partir da qual nascem os sentidos historicamente estabelecidos. Os sentidos que esses sujeitos carregam estão materializados na própria formulação desses enunciados, porque resgatam enunciados já formulados alhures e que são retomados, esses enunciados podem ser visto quando vemos os sujeitos resgatarem um sentido de escola que seria aquele pertencente à escola como a libertadora e a grande preparadora sobre coisas a respeito do mundo, sobretudo em um mundo neoliberal e globalizante e que se quer assim refletidos no texto verbal e não verbal das capas dessa série enunciativa, essa memória resgatada na imagem e no texto verbal cumpre o papel de legitimar essa identidade escolar.
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Para que os efeitos desses regimes enunciativos ocorram é necessário segundo Foucault o uso de certas estratégias que nada mais são do que os temas e teorias que constituem uma dada formação discursiva. Para analisar a formação das estratégias de um discurso, o autor propõe que se leve em conta:
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I) o papel desempenhado pelo discurso estudado em relação aos que lhe são contemporâneos e vizinhos, observando o jogo de inclusão ou exclusão que os enunciados sofrem, para o surgimento de novas possibilidades de significações, vê-se que esses discursos resgatam o velho papel da escola, aquela que nos ensinará a viver, essa forma de discursivisar a escola e a educação mostram regimes enunciativos vigentes sobre como deve ser essa instituição e mesmo que esse resgate enunciativo não seja mais o mesmo está como diria Foucault deslocado, cumprindo uma função legitimadora para a nova ordem enunciativa que surge que é aquele ligada as sociedades capitalistas de nosso tempo, uma educação voltada para competitividade e exclusão dos indivíduos, no entanto isso é legitimado e amenizado, já que os regimes enunciativos sobre escola e educação ainda se mantém ligados aos sentidos de templo de redenção para ensinar as pessoas o que elas devem saber e garantir sua oportunidade, sobrevivência, e realização pessoal, todas as capas estão ancoradas nessa discursividade.
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II) os regimes de apropriação do discurso que apontam para o fato de que o direito de falar está reservado, de fato, a um grupo determinado de indivíduos estabelecendo para eles o que eles devem dizer e não dizer, no caso um revista legitimada socialmente e com um posicionamento frente questões educacionais, ela ocupa um status que lhe dá o direito de falar, já que a memória dos sujeitos permite legitimar seu dizer.
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Partindo para um panorama geral de análise podemos constatar uma demarcação discursiva sobre a educação nesses sujeitos, está evidenciado uma prática discursiva voltada para o projeto neoliberal de educação, poder vigente que cerca a vida de nós todos, ele envolve centralmente segundo Silva (1994, p.250) “a criação de um espaço que é impossível pensar o econômico, o político, o social, o cultural fora das categorias que justificam o arranjo social capitalista”. Ele ainda enfatiza que nesse espaço hegemônico visões alternativas e contrapostas à ordem liberal/capitalista são reprimidas a ponto de desaparecer da imaginação e do pensamento, até mesmo daqueles grupos mais vitimizados pela ordem vigente (alunos da escola pública) que se realizam através dos discursos, a imagem da primeira capa analisada comprova isso.
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Por causa dessa complexa subjetivação da escola enunciações ligadas ao discurso igualitário e de justiça social saem de cena na escola para dar lugar às noções redefinidas de produtividade, eficiência e qualidade como condições para uma escola moderna, a imagem não pode ser a sala de aula e sim uma formatura, um escritório, enfim, a prática escolar é apagada e o que importa são os resultados no futuro depois do processo escolar por qual passam os sujeitos na educação formal, esse apagamento nos abre muitas possibilidades de análises ligadas a seguinte questão: o que faz essa imagem ser apagada e porquê?
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CONCLUSÃO
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Ler um texto imagético não se reduz à percepção da atividade intencional ou da finalidade do texto, mas se refere também á observação do conjunto de recursos de que se valeu o autor para produzir as significações que gerou e isso se dá ao analisarmos os elementos condicionantes que fazem com que ele se valha destes e não de outros recursos. Essa leitura permite o acesso à que cerceia as produções textuais verbais e não verbais, possibilitando aos leitores que se debruçam nesse tipo de análise determinar com que texto, ideologia, política e cultura a imagem se pactua, dessa forma poderemos dar conta de qual compromisso e interesse os textos e seus criadores compactuam.
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REFERÊNCIAS
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